Como você ajuda a construir a cultura do estupro

“No início do vídeo, um dos homens afirma: ‘Essa aqui, mais de 30, engravidou’. Enquanto filmam o órgão genital da vítima, um deles narra: ‘Olha como que tá (sic). Sangrando. Olha onde o trem passou. Onde o trem bala passou de marreta’”.

É uma vitória, ínfima, dolorosa e muito muito muito cara que finalmente o “debate” sobre cultura do estupro tenha tomado proporções midiáticas. “Debate” em termos porque a denúncia do estupro coletivo sofrida por uma jovem, bem como a ligação dessa violência bárbara com a cultura do estupro presente em nossa sociedade apenas tomou proporções internacionais porque as mulheres, como sempre, se uniram em uma rede de solidariedade e apoio que dizia: não passarão.

É fácil encontrar, agora, neste caso, nas notícias e na time line, a crítica à cultura do estupro. Mesmo homens, que não costumam sensibilizar-se com denúncias feministas, se sentiram impelidos a comentar o absurdo e colocar-se como parte do problema.

Atitude louvável? Talvez. Mas seguramente mesmo estes homens que se solidarizam e fazem mea culpa na internet não têm dimensão do que é a cultura do estupro. Este texto também não pretende exibir uma definição final para o conceito e prática, mas existe pela mesma necessidade que deu origem ao blog Siririca: evidenciar que a prática cotidiana – em especial masculina – está absolutamente impregnada de misoginia e pela cultura do estupro, e que a pornografia, apesar de não ser a mãe de todos os males, tem papel fundamental na difusão e implementação dessa cultura.

Pra começar, é de embrulhar o estômago a semelhança das cenas do vídeo que os homens expuseram dessa mulher com a produção pornográfica encontrada largamente na internet.  A postura, a fala, as “justificativas” e até mesmo os “ângulos” de câmera são reproduções fieis de produções pornográficas – ou seria o contrário?

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“Vereador posta foto com mulher nua”

Não só a estética do vídeo é igual à pornografia. A violência que eles reproduzem também vem da pornografia (ou, de novo, seria o contrário?). Nos filmes pornográficos – a única educação sexual que TODA NOSSA SOCIEDADE consome – baseiam-se justamente na agressividade e violência contra mulher. Nos filmes pornográficos é comum, como instrumento de excitação, chamar a mulher de vagabunda, puta, piranha, etc. Também é comum, basta uma busca no google, ver as expressões que bucetas e cus foram ou serão arrombados. Também é no Brasil o termo mais buscado em pornografia a expressão novinha, que nada mais é que uma manifestação da pedofilia (ou considere a aparência das atrizes: depiladas como criança, maquiadas como jovens, atuando recatadas como virgens). Os trinta homens que violentaram uma garota estavam reproduzindo o que assistem diariamente em sites, mas também reproduziam o que toda a sociedade repete diariamente.

A cultura do estupro é a cultura que assume como normal, plausível ou aceitável a violência sexual contra mulheres. Posto que pornografia é baseada enquanto produção cultural na violência sexual contra mulheres, todo pornografia é um estupro. Você pode ver isso através de vídeos e outras mídias que mostram os bastidores da pornografia, ou mesmo através do vídeo que assistiu ontem no pornhub: a expressão da atriz, era mesmo de gozo, ou era de dor?

Você, homem, sabe diferenciar essas expressões?

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Da mesma forma, a pornografia não se limita apenas aos filmes que assistimos na privacidade de nosso quarto e reproduzem apenas, e descompromissadamente, nossos desejos mais íntimos (e se você tem como desejo intima estuprar alguém, estuprador você é). A Playboy americana, por exemplo, deixou de publicar nus não porque não houvesse mais interesse do público, mas simplesmente porque o próprio universo cultural assimilou as características do pornô de tal forma que não era mais tão lucrativo expor mulheres “apenas” nuas. Mulheres nuas não são mais “feijão com arroz”, esse tipo de pornografia é apenas um lanchinho. O feijão-com-arroz pornográfico hoje é a sexualização da violência contra a mulher.

Quantas vezes seu parceiro te segurou com força, puxou pelos cabelos, segurou suas mãos nas costas, começou o ato sexual sem sua autorização expressa ou enquanto você dormia ou mesmo estava bêbada ou dopada demais pra reagir? Quantas vezes você transou com seu companheiro porque se sentia na obrigação de fazê-lo? Quantas vezes você se sentiu em débito, ou foi cobrada por homem, por “dever” sexo, já que ele isso ou aquilo? Quantas vezes você transou sem vontade, pra agradar alguém ou “provar” alguma coisa?

Quantas vezes os livros, séries, novelas, revistas, discursos não reiteraram essas posturas?

Entenda-se aqui pornografia como toda exposição sexual com objetivo de gerar desejo. Pelo que vimos até agora em nossa cultura ocidental, mulheres vendem mais, porque são melhor reconhecidas como “objeto” do que homens. Isso serve pra vender um padrão de vida – quando os racionais desejam ser ricos e TER uma morena linda – mas também serve pra vender desodorante: Usando Axe você vai comer quem quiser, mesmo que ela não queira.

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“Homem processa marca Axe por não atrair mulheres”

Ao mesmo tempo que se cobra que as mulheres fiquem encerradas em casa usando burca para que não sejam submetidas a violência sexual, toda a pornografia – e lembro que é a única educação sexual e cada vez mais acessível a jovens de 10, 12, 13 anos – reitera que as mulheres são predadoras sexuais sempre dispostas a sexo. Pode começar a estuprar ela, tenha certeza, uma hora ela vai gostar.

Tão esquizofrênica essa sociedade misógina que também reproduz – mesmo repetindo que todas as mulheres sempre podem ser penetradas – que estupro deve ser uma correção em seu comportamento. Não gosta de homens? Estupra, assim ela vê o que é bom. Se comportou mal? Estupra, assim ela se reeduca. E os homens que se comportam mal? Estupra, assim ele melhora.

A cultura do estupro é a cultura que cotidianamente diz que violência sexual é aceitável e, mais que isso, necessária. É seu deputado, sua novela, sua série de ficção medieval – que tem estupros em metade dos capítulos porque “dá peso psicológico pra trama” – é sua piada sobre dar ou tomar no cu, é a capa do seu caderno que tem uma mulher exposta como bife, é a comédia que você assiste e ri da mulher bêbada sendo tripudiada, é o meme que você compartilha.

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“branquinha gostosa em sexo forçado”

Nossa cultura é a cultura do estupro. E quando você consome e/ou sente prazer com pornografia você está reforçando essa cultura, e participando da violência no corpo de centenas de mulheres.

Não foram trinta homens. Foram todos.

 

 

+ http://sexoimporta.tumblr.com/post/91418225229/andrea-dworkin-sobre-pornografia

+ http://hypescience.com/ver-pornografia-na-internet-faz-criancas-acharem-que-estupro-e-comportamento-normal/

+ https://www.youtube.com/watch?v=qj3oW4WaKjs