Sexy_bundaebreja

Sexy é uma palavra usada a partir do século XIII, fruto da junção de Sex e o sufixo Y, que por sua vez significa “cheio de”. Sexy seria, portanto, algo ou alguém cheio de sexo. Mas o que é sexo?

De origem incerta, a palavra mudou – e muda – de significado desde seu aparecimento, entre os séculos XIV e XVI. Como sinônimo de gênero, seu primeiro uso data de cerca de 1500, mas seria usada como intercurso sexual apenas três séculos depois. Como sinônimo de genitália, foi já na nossa contemporaneidade, apenas em 1938 (e, espera-se, esteja esse cada vez mais caindo em desuso).

Erótico, adjetivo às vezes usado como sinônimo, deriva do grego, e claramente se associa ao deus Eros, ou Cupido, o deus do amor romântico. O sufixo ika significa algo como “relacionado com”, ou seja, “algo a ver com Eros”. Em verdade, ao contrário do que muitas vezes reproduzimos por aí, não é o deus que empresta nome à paixão e desejo amoroso, e sim tais sentimentos que inspiraram os gregos a representá-los através de um deus.

Por fim, pornográfico também advém do grego, palavra criada a partir de porné – prostituta; e grapphen – escrita/escritor. Pornografia, linguagem e material consumido à exaustão nos dias de hoje, seria então a narrativa de um terceiro sobre as peripécias sexuais de uma pessoa que vende seus serviços eróticos/sexuais (na Grécia que cunhou porné, havia homens e mulheres trabalhadores sexuais).

A etimologia nos ajuda a rastrear os primeiros usos das palavras e, portanto, a sociedade que necessitava tais conceitos para se expressar, apresentando assim os contextos históricos em que se estabeleceram determinadas práticas. Os usos contemporâneos das mesmas palavras nem sempre se assemelham aos originais mas, como todo objeto histórico, guardam tributos a suas origens, é aqui é isso que interessa.


Apesar da longa História desses termos – apenas alguns que ilustram a longeva presença da sacanagem, putaria e gosto pelos prazeres carnais na vida humana – ainda hoje, em pleno mil novecentos e dois mil e vinte e um, muitas pessoas insistem em campanhas contra a pornografia e o erotismo e/ou insistem em quão desimportante é o assunto frente a outras demandas políticas como o fim do patriarcado, do capitalismo e da opressão. Mais que isso, muitas vozes insistem que uma mulher tomar papel ativo na difusão e produção de material desse tipo seria servir ao inimigo transformando a liberação sexual em mais um instrumental utilizado para subjugar as mulheres.

Acontece que a relação entre sexo – em seus amplos significados -, poder e produção de valor antecede nossa sociedade capitalista e mesmo ajudou a estabelecer o patriarcado como um regime sexual dominante no ocidente.

Voltando à etimologia, puta, por exemplo, é uma palavra que existe em praticamente todas as línguas românicas e além, por exemplo na Alemanha. Puta, de significado semelhante a prostituta em todas essas línguas, primeiro serviu como denominador de mulheres e apenas mais tarde passou a ser usado como sinônimo de mulher que vende serviços sexuais. Nos primeiros séculos depois de cristo, putta significava (também) “mulher da rua”. Quer dizer: assim como hoje, interessa menos seu ofício para qualificar-se como puta e mais a ocupação de espaços e condutas desaconselhadas.

O papel ocupado pela mulher na produção de valor sexual tem sido progressivamente anulado ou alienado de si na mesma medida em que cresce a hegemonia masculina e capitalista. Em Grécia e Roma, berços da cultura ocidental em seus valores e língua, os corpos (e seu culto) que ocupavam a democracia e espaço público eram masculinos, atingindo seu ápice de civilidade, por exemplo, em Olimpíadas disputadas sem roupas. As mulheres (não só as de Atenas) se manifestavam em outros espaços, noturnos e escuros, excepcionais em alguns momentos do ano ou ocupando a função ao mesmo tempo excludente e restituidora designada pelos trabalhos sexuais.

Saltando no tempo, em nossa sociedade capitalista o sexo segue motor de uma indústria que movimenta anualmente centenas de bilhões de dólares ao redor do mundo. Apesar da pornografia como linguagem e produto estar disponível e ser produzida a partir de variados gostos, expressões de sexualidade e desejo, as mulheres são a maioria das trabalhadoras que tem sua imagem e performance explorada, enquanto homens são maioria entre o público consumidor. A matemática, assim, é clara: as mulheres são o produto e produtor, os homens o público pagante (na sociedade de consumo, pagantes são os que logram acessos a direitos) 1. Nesse sistema capitalista de produção de valor sexual configurado pela indústria pornô, as mulheres são ao mesmo tempo a força de trabalho, a matéria prima e parte do meio de produção. Se os trabalhadores em geral são alienados de sua produção, as mulheres na indústria pornográfica são triplamente exploradas, e definem balizas de valor inclusive para mulheres teoricamente fora desse mercado (se apenas algumas mulheres vendem seu trabalho sexual, todas são valoradas a partir do mercado sexual e economias do desejo).

Justamente por essa apreciação crítica que o caminho desse texto não é condenar a pornografia, se não manifestar repúdio à indústria e reprodução de valor sexual no capitalismo. A reclamação feminina – e de outrxs dissidentes sexuais – dos usos e valores de sua sexualidade parecem mais servir a uma liberação que a um encerramento. Assim como outros movimentos sob o sol do capitalismo, a apropriação é uma realidade, assim como a fagocitose; porém, ao mesmo tempo a reflexão pode passar de terceiros a primeira pessoa, subjetificando as experiências e análises e contribuindo para visões tão esclarecidas quanto libertárias, ou passionais em uma epistemologia onde as paixões e desejos valem tanto quanto a racionalidade ou “cabeça fria”.

Como já anunciado na zine Siririca, é possível apreciar (critica e apaixonadamente) a economia sexual e a pornografia recusando a moral que se propõe hegemônica e tirando dos prazeres da carne (os únicos acessíveis a qualquer corpo em qualquer realidade econômica) reflexões que nos levem a outra produção de sexualidades e sociedades (mundos onde caibam vários mundos).

Por isso a Siririca vem gozar em novos prados, ocupando espaço público com tudo que “mulher direita” não faz: sexo, álcool e baixo calão: instagram.com/bundaebreja

PS: só pra não perder a deixa, e agraciando quem chegou até aqui, aviso aos amantes do sexo fofinho que fuck provavelmente vem do alemão “foken”, que significa bater. Já foda, vem do latim futuere, que significa dar com força. É isso, adeus.

Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa – Lexicon

https://www.cnrtl.fr/etymologie

https://www.pornhub.com/insights/2019-year-in-review#gender