Pornografia do cotidiano – assédio como entretenimento

Mulher encoxada ônibus

Antes de escrever um texto, sempre fazemos o teste do Google [teste autoexplicativo].

Só pra ver o que qualquer pessoa com acesso à internet – como umx adolescente que tente entender do que algo se trata – encontraria em uma busca básica.

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(Clique na imagem para ver os absurdos)

Reparemos nas nuances dessa página de resultados: Nada novo sob o sol californiano da pornografia: vadias safadas que fingem ser santas mas na verdade estão pedindo para ser enrabadas “de todas as formas possíveis e imagináveis”. Mal importa quem enrabou. Inclusive, se ele aparece, é porque é uma pica gigante e dura que merece ser adorada.

 

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Uma pesquisa recente [1] mostrou que o lugar onde as mulheres mais sofrem assédio – mais que na balada e na rua – é no transporte público.

PERCEBA:

A maior parte das mulheres que são obrigadas a usar o transporte público é porque mora longe do destino e não tem dinheiro. (Não tanto a ponto de ter um carro, pegar um taxi, etc.). São essas mulheres que são expostas a esse tipo de assédio. Mulheres serem encoxadas nos metrôs, trens e ônibus – e existir a divulgação desse material como pornografia não são eventos isolados, tampouco são apenas um fetiche sexual inofensivo ou ~da natureza~ masculina.

Começando do começo: assédio é uma palavra de origem MILITAR que significa, entre outras coisas, “estabelecer um cerco com a finalidade de exercer o domínio”, ou “exaurir o inimigo através de repetidos ataques” ou ainda “provocar indignação em alguém” (o que por sua vez tem a ver com atacar a dignidade de alguém). O assédio *sexual* a mulheres cotidianamente nos espaços públicos e privados, aqui em especial no transporte coletivo, é uma violência estratégica, assim como a estratégia militar que dá origem à palavra.

O assédio sexual é uma forma de “colocar a mulher em seu lugar” – de objeto – e lembrá-la que o espaço público é público, mas não pra ela. É uma forma de constranger, de vencer pelo cansaço, de difamar (qualquer semelhança não é mera coincidência) mulheres que ousam invadir um espaço masculino.

(Sim, ainda estamos falando do espaço público.)

 

Quando um homem grita gostosa pra uma mulher, ou quando ele a puxa pelo braço ou – e esse é o campeão dos ônibus – ele esfrega o pinto nela, ele não está saciando um desejo ancestral superior de masculinidade. O que um homem está fazendo quando ataca sexualmente uma mulher é reiterando seu domínio sobre o espaço público e sobre o corpo dela. A conivência com assédios no transporte e outros espaços públicos mostra como é normatizado esse ataque às mulheres, bem como pesquisas comumente demonstram que a opinião pública de fato acredita que mulheres não deveriam ocupar o espaço público. [2]

Quando esse ataque acontece no transporte público ele se aproveita de condições que obviamente transcendem o machismo nosso de cada dia, como a atual atribuição de significado e exploração do transporte urbano. Assim, nem da pra reclamar da encoxada, será que ele tá fazendo isso mesmo? Tá tão cheio que nem da pra ver quem foi, se tá incomodada pega um táxi. O pagamento da tarifa também preocupa mais as companhias que o fator humano, então as mulheres que sejam fodidas antes que as empresas façam algo a respeito.

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A cultura do estupro e a objetificação das mulheres transformam esse ataque à moral e auto estima feminina em fetiche, transformando o ataque em material erótico através da negação (ou estímulo sexual através) da humilhação feminina. Isso significa que além de promover o ataque, alguém bate punheta com isso depois. Ou seja: exatamente como todos os outros filmes de pornografia. Além disso, “romantiza” – ou pornografiza – a situação de humilhação cotidiana da mulher: o ônibus é um espaço erótico e mulheres, públicas que são, podem ser assediadas, porque “escolheram” estar ali, logo, prestando-se ao assédio, quiçá “pedindo”. Formado o ciclo de justificativas da cultura do estupro, está aberto o caminho para a validação dos ataques a mulheres em um espaço de extrema importância para a participação na vida em sociedade.

E atacar alguém quando em trânsito é covarde até mesmo entre os militares.

[1] http://nao.usem.xyz/7b2j
[2] http://www.brasilpost.com.br/2016/02/07/machismo-no-carnaval_n_9180696.html