(quase) Toda nudes será castigada

Não é de hoje a treta de exposição do corpo feminino como vingança. Nos primórdios da pornografia pública, inclusive, os tais ~revolucionários~ franceses produziam panfletos com rainhas e princesas em situação ~erótica~ para manchar a honra de…seus maridos e pais.

Hoje, o fenômeno da pornografia de vingança já é matéria de produção jurídica [1] e motivo de suicídio físico ou social de dezenas de garotas. A recente publicação da revista TPM sobre nudes foi bombardeada por comentários sobre como o incentivo ao envio de fotos (e houve quem falasse também da “safadeza” que o anúncio pedia) era uma forma de desrespeitar as muitas vítimas, além de de certa forma incentivar o vazamento de fotos íntimas.

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Sempre há, claro, quem vá ainda mais longe: para não correr o risco de ter uma foto íntima  vazada, simples, não as tire! não as comparta!

Moito bem, o melhor jeito de não ser vítima é não existir. Muito comumente caímos no lugar comum de culpar as vítimas por terem aberto a possibilidade de serem agredidas ao invés de apontar pra quem realmente fez cagada: o agressor. E usamos o masculino aqui sem culpa: 90% das vítimas desse tipo de agressão são mulheres.

O vazamento é feito através de um buraco aberto de forma proposital: um em cada dez ex-parceiros (as) já ameaçaram expor imagens e vídeos privados, e a maior parte desses leva a cabo as ameaças. A exposição, também na maioria das vezes, não só mostra o rosto das vítimas como anexa o nome completo, as redes sociais ou mesmo números de telefone e documentos. Tudo isso com o objetivo de humilhar a pessoa – quase sempre a mulher – que faz sexo.

Porque, a gente sabe né, homem tem que transar com todas possíveis e um vídeo de sua performance pode ser inclusive meritório. No caso das mulheres, a simples existência de fotos dela nua é o bastante para ser taxada de vagabunda e promíscua e PERSEGUIDA por isso. 49% DAS MULHERES EXPOSTAS em pornografia de vingança FORAM PERSEGUIDAS por desconhecidos (não SÓ na rua, mas também nas redes sociais, trabalho, telefone, etc). A ligação entre pornografia de vingança e comportamento (e tolhimento) sexual fica assustadora na medida que não só existe a pressão social pela suposta pureza moral e sexual feminina, como a violência sexual existe como punição e o estigma de corpo público que se instala em seu cotidiano.

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As diferenças de gênero nas fotografias e vídeo de pornografia de vingança vão além da interpretação de quão bom ou mau é ser safado ou safada. O espaço íntimo da mulher, por exemplo. É ~normal~ que meninos passem horas no banheiro. Meninas nem sempre tem privacidade mesmo nos quartos de dormir. Quando adultas, e principalmente se mães, as mulheres perdem o espaço de privacidade para “a família”.  (Claro que privacidade sempre foi um conceito e luxo burguês, já que existem famílias inteiras que habitam o mesmo cômodo.)

Da mesma forma, os conceitos de público e privado se diferenciam de acordo com o gênero tratado. As mulheres, enquanto propriedade de seus pais, maridos, irmãos, companheiros, patrões, etc., devem ser cuidadas e resguardadas, de preferência dentro do espaço doméstico, domesticadas. O espaço público não é feito para mulheres, muito menos para as que ficam nuas por opção – ainda que essa opção possa ter sido  p e s a d a m e n t e  influenciada pelo companheiro. Mais que isso, ao espaço público se dá o direito de julgar a moralidade privada da mulher, condená-la e ainda culpabilizá-la por fazer o que todo mundo faz, inclusive homens.

Venusdemedici

 

 

 

 

 

 

 

 

Há décadas o feminismo aponta como não é possível apartar o pessoal do político. Quando se afirma isso, é comum a gente pensar nas colheres que não se pode meter nas brigas de marido e molher. Mas mais que isso, quando se afirma que o pessoal é político se afirma que a forma como os relacionamentos são construídos, ainda que sem agressões físicas, é baseada em políticas e dispositivos de poder presentes em toda a sociedade.

O controle do corpo das mulheres, nossa sexualidade usada como forma de punição e humilhação pública e a culpabilização das vítimas decorrente disso são manifestações do machismo na sociedade, não um fenômeno causado por mulheres que gostam de se ver nuas ou permitem que o ato sexual seja gravado. O crime de exposição e humilhação é causado por quem expõe, e só por ele. Além disso, se estamos falando de intimidade, o crime legal é potencializado pelo fato de ser traída por alguém com quem se compartilhou a intimidade, esfera última da construção da identidade, mais resguardada do mundo e, há quem diga, mais verdadeira.

Há de se pensar porque a forma encontrada por parte da sociedade para punir – passionalmente – mulheres, e em alguns casos homens, seja a exposição de seus corpos e práticas sexuais, como se isso fosse ofensivo ou condenável, extraordinário ou digno de reprovação.

jeju12

[1] Esse artigo trata de vários números de revenge porn e debate a produção atual de leis sobre o tema. A gente ainda vai falar sobre isso.

E essa tese fala sobre o impacto real da pornografia de vingança na vida de quatro garotas. Duas menores se suicidaram.